domingo, 26 de junho de 2011

Brasil: “crescimento” econômico para quem? Em que condições?

  Em seu discurso durante recente visita à China, em evento que reuniu os principais expoentes das empresas chinesas, a presidente brasileira fez questão de ressaltar qualidades ímpares do Brasil que vão ao encontro da avidez capitalista por lucros: a estabilidade econômica e a estabilidade política.
Nos discursos lá e cá, realmente, parece que o país experimenta um período de crescimento e otimismo, e ainda “um profundo sentimento de autoestima de nosso povo”, completaria a presidente. É este o Brasil em que vivemos? Este é o Brasil dos trabalhadores brasileiros? Há motivos para esse tipo de otimismo? Para quem o Brasil cresce? Em que direção se dá esse processo? Em que contexto, sob que condições?
Iniciaremos a análise tratando do contexto internacional.
1. Conjuntura internacional
1.1 Crise do imperialismo
Em 2009, na avaliação dos desdobramentos da chamada “crise do subprime”, e com a queda do quarto maior banco de investimentos dos EUA (Lehman Brother), em agosto de 2008, caracterizamos o atual estágio da crise do capitalismo, do imperialismo como:
“Uma conjuntura em que a crise latente e prolongada (desde o início da década de 1970) do imperialismo encontra-se em uma fase aberta, mais aguda, (...) com tendência a se aprofundar e se arrastar por longo período. Não é uma crise localizada, do subprime, da esfera financeira, como inicialmente trataram de alardear os arautos das classes dominantes. É uma crise do processo de acumulação capitalista, de sobreacumulação de capital e superprodução de mercadorias.
Do ponto de vista do marxismo, as crises econômicas do capitalismo são inevitáveis, são resultado das contradições inerentes deste modo de produção, como a tendência à queda da taxa média de lucro, o permanente processo de concentração e centralização do capital, a contradição entre a produção social e apropriação privada, a concentração de riqueza em um polo e miséria no outro." [1]
Podemos afirmar hoje que a crise do capitalismo, do sistema imperialista, continua se aprofundando, com “idas e vindas”, com ”altos e baixos”, arrastando-se, com repercussões diferenciadas em cada país, em cada formação econômico-social.
Na lógica do capitalismo, dos grandes monopólios, a “saída da crise” é aprofundar a intensificação da exploração do proletariado, em especial a opressão e exploração dos povos (e riquezas naturais) dos países dominados [2]. O ritmo, o grau desse processo e seu êxito ou fracasso são determinados em última instância pela conjuntura da luta de classes, pelo nível de resistência dos explorados e oprimidos em nível internacional e nacional, de acordo com a inserção de cada país no sistema imperialista.

1.2 Estágio da luta de classes
A conjuntura atual é marcada, por um lado, pela ofensiva do imperialismo, comandado pelos EUA e, por outro lado, pelo recuo do proletariado e do movimento revolucionário na luta de classes. O imperialismo e os grandes monopólios respondem à crise em uma conjuntura caracterizada por uma correlação de forças que lhe é favorável na contradição fundamental mundial entre burguesia e proletariado e na contradição entre países imperialistas/dominantes e povos dos países dominados, aprofundando todas as contradições do sistema e a barbárie.
A ofensiva do imperialismo se desdobra nos planos militar, econômico e político-ideológico. No plano militar, destacamos a ampliação de bases militares, como na Colômbia, a intimidação a povos em luta e a governos não-alinhados, as intervenções militares, como a da Líbia, a manutenção das guerras no Iraque e no Afeganistão; no plano econômico, o rebaixamento dos salários e precarização do trabalho, os cortes de direitos trabalhistas e sociais, de gastos públicos; no plano político-ideológico, as campanhas de criminalização das lutas populares e do comunismo, campanhas contra o “terrorismo” para tentar legitimar guerras imperialistas, campanhas contra supostas violações de direitos humanos em outros países, quando os EUA utilizam tortura, detenções ilegais e violação de soberania como políticas oficiais de Estado.
No processo geral de recuo do proletariado queremos ressaltar um fator que consideramos decisivo: nas últimas décadas, a maioria dos partidos comunistas abriu mão das posições revolucionárias e renegou na prática os princípios do marxismo-leninismo – a questão do Estado, da tomada do poder e da revolução, o caráter de classe da democracia, a violência revolucionária das massas [3], a luta ideológica e mesmo a luta de classes. Nesse processo, perderam a ligação cotidiana e revolucionária com as massas operárias e os trabalhadores de um modo geral [4]. E, como decorrência e parte do mesmo fenômeno, constatamos um baixo nível de consciência e organização de classe do proletariado e demais setores oprimidos. Sem deixar de ressaltar e saudar todo heroísmo e combatividade do proletariado e povos em vários países que resistem e lutam [5], avaliamos a ausência de partidos revolucionários na maioria dos países como o aspecto principal do processo de recuo da resistência de classe.
Nesse sentido, a ausência na maioria dos países de partidos revolucionários do proletariado, autênticos partidos comunistas – que tenham construído na luta uma linha político-ideológica justa, que estejam enraizados e com capacidade de dirigir a luta de classe do proletariado e das massas oprimidas em uma perspectiva revolucionária – deixa ao capitalismo o “campo livre” (ou seja, frente a uma baixa resistência de classe) para o seu processo inerente, histórico, de “sair da crise” e se desenvolver, intensificando ao máximo a exploração [6], ampliando a taxa de mais-valia relativa e absoluta, a fim de retomar a taxa de lucro na busca do lucro máximo.
A intensificação da exploração tende a agravar as condições de vida e trabalho para as massas populares, com aumento do desemprego, arrocho salarial, precarização do trabalho, ataque aos direitos trabalhistas e sociais – saúde, educação, seguridade etc. conquistados pelo proletariado, exacerbando a luta de classes.
1.3 Nova divisão internacional capitalista do trabalho
O agravamento da crise do capitalismo aprofunda o processo de reconfiguração da economia mundial, do sistema imperialista. E, entre uma série de características desse processo [7], destacamos o avanço da nova divisão internacional capitalista do trabalho e nele a transferência de indústrias dos países imperialistas para regiões com baixíssimo preço da força de trabalho, em particular, para a China (fenômeno que é expressão da intensificação da exploração da força de trabalho em nível mundial).
Esse agravamento (a chamada “crise do subprime” de 2007/2008) resultou em todo mundo, de maneira generalizada, em enorme queima de capitais, principalmente entre aqueles que se valorizavam na esfera financeira, implicando em recessão econômica, queda no comércio mundial, falta de crédito, desemprego de dezenas de milhões de trabalhadores. Porém, assumiu uma forma diferenciada e específica em cada país.
No caso da China, o PIB cresceu 9,2% em 2009 e atingiu 10,3% em 2010, puxado pelo crescimento industrial. A China tornou-se o maior exportador e produtor industrial-manufatureiro do mundo, (superando os EUA), e a segunda maior economia mundial.
A China acelera a produção e a exportação de produtos industrializados (intensivos em trabalho; com média e, principalmente, alta intensidade tecnológica), a importação de produtos primários (petróleo, alimentos e matéria-prima para a produção industrial) e a ampliação do investimento em infraestrutura e na produção para o mercado interno chinês. Além disso, amplia a exportação de capital, especialmente na forma de investimentos que garantam o abastecimento de produtos primários para sua indústria, assegurando a produção intensiva de mais-valia e a acumulação de capital.
O aumento da demanda por produtos primários pela China e a especulação na bolsa de mercadorias tem resultado no aumento dos preços das commodities.
E nesse contexto – no caso do Brasil, na nova divisão internacional do trabalho – a parte que nos coube foi a especialização na produção intensiva e em larga escala dessas commodities.
2. Conjuntura nacional
A reconfiguração da economia mundial condiciona as transformações na formação econômico-social brasileira, na estrutura econômica brasileira, que caracterizamos em 2006 como um "processo de regressão a uma situação colonial de novo tipo" [8] , iniciado em meados da década de 1980.
O deslocamento de parte significativa da produção industrial imperialista para a Ásia/China criou uma forte procura por produtos básicos, principalmente minérios, alimentos e petróleo e norteou a especialização do Brasil na produção de commodities para exportação. Este tipo de produção vem se transformando no setor dinâmico da economia brasileira, processo que significou aprofundar a condição do Brasil de país dominado no sistema imperialista mundial.
Não podemos esquecer, entretanto, que são as contradições internas que determinam a mudança dos fenômenos. Os fatores externos atuam nos fenômenos nos limites das suas contradições internas. E no desenvolvimento das sociedades esses limites são, no fundamental, a luta de classes, o motor da história.
Assim, buscamos destacar nesta análise que são as contradições internas que determinam, no fundamental, o “processo de regressão” e as manifestações específicas da formação econômico-social brasileira no atual contexto da crise. Essas contradições internas se expressam principalmente pelo estágio da luta de classes – pela correlação de forças na sociedade – que, no Brasil, se apresenta como:
1) recuo e defensiva do proletariado e demais classes dominadas com características análogas àquelas apontadas na conjuntura internacional. Ou seja, ausência do partido revolucionário do proletariado com uma linha política justa, enraizado e com força nas massas para dirigir suas lutas numa perspectiva revolucionária, somado ao atual nível de consciência e organização, de resistência da classe operária e demais classes dominadas brasileiras frente aos ajustes impulsionados pela reconfiguração da economia mundial.
2) ofensiva das classes dominantes brasileiras (em sua maioria esmagadora) e seu profundo nível de integração/subordinação aos ajustes necessários à reconfiguração da economia mundial, de acordo com os interesses das classes dominantes dos países imperialistas e seus próprios interesses de classe, enquanto sócios menores do imperialismo. Quem exerce o poder de Estado no Brasil é o grande capital brasileiro, garantindo o processo de regressão.
Neste primeiro texto, vamos tratar em especial dos aspectos econômicos da atual conjuntura nacional e, posteriormente, enfatizaremos os aspectos políticos. Consideramos, no entanto, a necessidade de entender os dois processos – o econômico e o político – de maneira indissociável, dialética. A separação tem como única finalidade facilitar a exposição.
2.1 O processo de “regressão”
O processo de “regressão a uma situação colonial de novo tipo” e as mudanças na estrutura econômica brasileira se apresentam - como afirmamos em 2006 - em quatro aspectos principais:
1 - na constituição de um setor agroindustrial e mineral voltado à exportação. A especialização na produção e exportação de commodities é a principal característica do processo de regressão e se torna o polo dinâmico da economia brasileira. [Em 2008, com a comprovação da descoberta de petróleo na camada do pré-sal brasileiro, com reservas estimadas em mais de 10 bilhões de barris, esta commodity tende a se transformar num dos principais itens da pauta de exportação brasileira];
2 - na quebra de elos da cadeia produtiva em ramos importantes da atividade industrial e fechamento de setores da produção, cujos produtos, peças e componentes passam a ser importados;
3 - na organização de um novo setor industrial voltado para a constituição de ilhas de produção e montagem de mercadorias em empresas estrangeiras ou associadas, de média tecnologia, para exportação [e, como se verificou posteriormente, também para o mercado interno, artificialmente aquecido pela oferta de crédito fácil, pelo estímulo ao endividamento e por políticas compensatórias];
4 - na montagem de um sistema de valorização fictícia do capital, remunerando com altos juros o capital que circula nas engrenagens da especulação.
Os quatro aspectos acima levantados compõem um todo, e se relacionam, se reforçam entre si. A “crise do subprime” (2007/2008), as “medidas anticrise” de Lula em 2009 e 2010 e as iniciativas do início do governo Dilma (2011) aprofundaram ainda mais esse processo de regressão a uma situação colonial de novo tipo. Essa é a forma como o Brasil se insere na nova divisão internacional do trabalho, tendo em vista, principalmente, o novo lugar que a China ocupa na economia mundial, na reprodução internacional do capital.
Diferentes estudos, artigos e matérias nos meios de comunicação diuturnamente vêm levantando dados que evidenciam a especificidade e a intensidade com que o Brasil tem se ajustado ao atual estágio internacional de valorização e concentração do capital.
Selecionamos uma pequena amostra do que se tem noticiado sobre o tema.

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