domingo, 28 de outubro de 2012

Doutrina Obama e a guerra na Síria (Pedro Otoni)

 
A política exterior norte-americana apresenta sinais de esgotamento. Não é mais possível aos EUA continuar operando sob o mesmo registro da última década. O mundo não é mais tão dócil aos seus comandos, nem sua situação econômica é doce o suficiente para projetar-se como modelo a ser seguido pela humanidade.
Diante desta encruzilhadao governo democrata atualizou sua estratégia militar para o mundo, reduziu as iniciativas de invasão norte-americana direta, que possui um custo político e econômico alto, e vem promovendo uma forma mais insidiosa de controle geopolítico. Em uma tática similar às empregadas pela administração Reagan (1981-89), que patrocinou oposições armadas contra o governo sandinista na Nicarágua, grupos conhecidos como Contras, o governo de Obama aposta na produção e fortalecimento de dissidências em países que rejeitam o comando de Washington. A onda de protestos em diversos países de maioria muçulmana, a chamada “Primavera Árabe”, foi percebida e explorada como uma janela de oportunidade para a política exterior norte-americana desestabilizar regimes não compatíveis com seu sistema de dominação. Foi assim na Líbia, tem sido assim na Síria.
A lógica de operação estadunidense na nova doutrina imperialista de Washington articula as seguintes linhas de ação: 1) Criação de uma opinião pública internacional e regional anti-regime utilizando como mote “a luta pela democracia”; 2) Ressureição de diferenças étnicas e religiosas no interior dos países, explorando em especial minorias alijadas do poder de estado; 3) Envolvimento e mobilização dos aliados regionais.
A CIA (Central InteligenceAgency) não apenas colabora com as dissidências armadas, mais do que isso às fomenta, treina, arma e as abastece de suprimentos. No entanto, formalmente, tanto os EUA, quanto seus aliados europeus negam a participação direta nos conflitos, mas declaram apoio aos rebeldes em seus objetivos anti- regime. Depois do desmantelamento da Líbia, a Casa Branca tem a Síria e o Irã como alvos imediatos. 
A guerra na Síria: a aplicação das três linhas de ação da Doutrina Obama
A Síria, alvo preferencial dos EUA no momento, conhecida por ser o Estado mais estável da região e operador político importante do nacionalismo árabe, sempre foi base de apoio dos grupos antiimperialistas do Oriente Médio.[3] Durante o período de governo da Frente Progressista Nacional (FPN) [4] iniciado em 1963 esse país sempre teve sintonizada internacionalmente com o Bloco Socialista e posteriormente com a Rússia e China, procurando construir um estado republicano, laico, igualitarista e soberano. Por esta razão, sempre foi um pedra no caminho dos estadunidenses e seus aliados [5].
No caso da Síria, os EUA procuram reproduzir a mesma estratégia utilizada na Líbia: articulação da opinião pública, dissidências internas e mercenários, assim como apoio dos aliados regionais. Conforme expomos anteriormente, a primeira linha de ação se dá no plano da mídia, para isso utiliza os meios mundiais de comunicação e em especial a Al Jazira, maior veículo de comunicação do mundo árabe. Tal empresa televisiva tem não apenas orientado mas produzido fatos no que tange a guerra civil síria, anunciando manifestações artificiais, “informando” mortes e conflitos que tem como objetivo central desmoralizar o Governo Sírio e inflar (ou superestimar) as forças dos grupos de dissidentes. Esta forma orquestrada de manipulação midiática, tão comum em outras situações [6], não é casual. Basta lembrar que a Al Jazira é de propriedade da família Al Thani, que nada mais é do que a família real do Qatar (país sede da empresa). É no mínimo um engano acreditar que a Al Jazira dos Al Thani esteja preocupada com o bem estar do povo sírio, uma vez que a própria população catariana é excluída dos resultados da renda do petróleo, sendo este de propriedade do Emir HamadbinKhalifa (o monarca). Nem o Qatar, tampouco a Arábia Saudita, outra monarquia absolutista, são modelos de referência em termo político ou econômicos para a população síria.
Este golpe midiático vem acompanhado do cerco aos meios de comunicação do Estado e das organizações populares sírias. Compõe seu expediente, desde bombardeios ao sistema de comunicação estatal até a interferência e bloqueio de sinais de rádio e internet da população, por meio do corte das transmissões via satélite. O mundo e o próprio povo sírio recebem, quase que exclusivamente, sinais de comunicação provenientes das dissidências golpistas e de seus aliados na região.
A segunda linha de ação estadunidense na produção de conflitos refere-se à criação de dissidências internas. Na Síria, o Partido Baath, e seus aliados da FPN[7], lograram construir um equilíbrio entre as diferentes etnias e religiões por meio da edificação de um estado laico[8]. Os EUA incentivam o radicalismo fundamentalista sunita, para decompor o alicerce social da organização nacional síria. Takfiris[9] estrangeiros, mercenários(líbios, tunisianos, jordanianos, paquistaneses,sauditas e egípcios) financiados, equipados e treinados pela CIA[10] e militares da Arábia Saudita, Qatar, Turquia e Israel conjuntamente com salafitas sírios ligados à Irmandade Muçulmana são a espinha dorsal dos rebeldes.
A fronteira da Turquia tem sido a principal base de apoio logístico e político. O Conselho Nacional Sírio, centro de comando dos rebeldes está instalado neste país, agentes da CIA operam ali construindo redes de Inteligência para a dissidência, fornecem fotos áreas e de satélites, além de informações militares sobre a movimentação do Exército Sírio. É pela Turquia que grande parte dos equipamentos ditos “não letais”[11] provenientes da França, Alemanha e Reino Unido são entregues aos rebeldes. A Alemanha por sua vez admitiu que envia informações obtidas por seus navios na costa síria.[12] Israel e Turquia possuem um papel relevante enviando comandos de operações especiais (grupo de elite do exército) para atuarem dentro das fronteiras sírias, mais uma clara manifestação da ingerência estrangeira no conflito[13]. Cabendo por fim ao Qatar e a Arábia Saudita o suprimento de armamento pesado aos dissidentes. [14]
A terceira linha de ação de Washington no conflito se refere à mobilização de seus aliados no Oriente Médio. O cenário é extremamente desfavorável para a Síria neste campo, sendo que os EUA lograram articular diferentes níveis de colaboração regional com os golpistas do Conselho Nacional Sírio. A Turquia, Arábia Saudita e Qatar estão diretamente envolvidos no fornecimento de armas. Israel age em operações de “comandos” distribuídos dentro das fronteiras sírias, realizando ações de terror entre a população. O presidente egípcio Mohamed Mursi, membro da Irmandade Muçulmana, realizou declarações a favor da mudança do regime. Extraoficialmente, membros da Irmandade estão atuando entre os rebeldes, mesma postura assumida pela Jordânia. Complementando este repertório anti-sírioestão o Reino Unido, Alemanha e França que fornecem os suprimentos para as organizações de oposição.
Os EUA possui o propósito claro de criar uma situação de conflito permanente no Oriente Médio, abrindo caminho para a desestabilização da Síria e do Irã.Assim, arma países aliados que estão dentro do círculo de fogo do confronto contribuindo para o desequilibro da correlação de forças na região em favor do Ocidente. É evidente que os interesses econômicos que estão inseridos na dinâmica de operação do imperialismo, principalmente em relação ao petróleo[15], serão garantidos de maneira mais sólida com a derrota dos países de orientação soberana e pan-árabe. No entanto, a guerra é, por ela mesma, um negócio lucrativo. A venda de armas norte-americanas para o mundo, no ano de 2011, triplicou chegando à cifra de 66,3 bilhões de dólares, um recorde.Mais da metade deste valor foi comprado pelos aliados do Golfo Pérsico (com destaque para a Arábia Saudita, Emirados Árabes e Omã).[16]A combinação entre a produção de conflitos e o mercado bélico não é novidade, está contida na tentativa de indução da economia estadunidense em crise, via o fortalecimento do complexo militar-industrial, utilizada diversas vezes pela classe dirigente norte-americana.
À articulação destas três linhas de ação relançadas por Washington, classificamos como a Doutrina Obama.[17]Nessa nova abordagem, a CIA assume relevância na política exterior dos EUA, diminuindo o papel do Pentágono (Departamento de Defesa), que foi na administração Bush o instrumento preferencial de ação estratégica. Tendencialmente as operações militares estadunidenses terão como linha geral a desestabilização de governos e a exploração do mercado de armas proveniente dos conflitos armados por eles mesmos induzidos. O aparente distanciamento em relação às guerras na Líbia e na Síria, colaborando com os rebeldes, sem, contudo, utilizar de invasão terrestre oficial, já é indício que a Casa Branca procura formas mais eficazes de manutenção de seu poder no cenário mundial, sem deformar ainda mais sua imagem perante a opinião pública.
A Doutrina Obama dissimula o caráter da guerra na Síria. Não se trata de um conflito doméstico, mas de uma reconfiguração da lógica de dominação imperialista no Oriente Médio e no Norte da África. A indução de oposições armadas internas, na Líbia e agora na Síria, possui vantagens importantes para o condomínio de poder norte-americano.
Primeiro por estabelecer um mote geral mais palatável para a opinião pública internacional, a suposta “luta pela democracia”, um marketing de guerra mais amplo do que a luta contra o “terrorismo” (sem, contudo, abandoná-lo).Dialoga, portanto, com o sistema ideológico europeu - norte-americano, que tem como pano de fundo acrença namissão democratizante do Ocidente, sendo esses “os povos eleitos”, destinadosa irradiar a “liberdade” para o mundo, “incluir as nações selvagens à humanidade capitalista liberal”, livrá-los do “atraso oriental, muçulmano”, ou seja, libertá-los deles mesmos.
Esta visão pretensamente universalista guarda raízes feudais, no cristianismo fundamentalista cruzado, e tem larga aceitação no senso comum europeu e estadunidense, bem como nas elites ocidentalizadas da América Latina, África e Ásia. Até mesmo os setores de orientação crítica e de esquerda, em sua maioria, não estão imunes ao clichê “liberdade e democracia”, se recusam a denunciar o golpismo e apoiar o governo sírio. Escolhem falsas saídas, puramente retóricas, do tipo “apoio à revolução síria, abaixo ao governo”, como se houvesse algum elemento progressista entre as falanges de mercenários e fanáticos religiosos que se reúnem em torno da oposição armada, e mistificam o apoio popular à dissidência e os êxitos[18] do Conselho Nacional Sírio (CNS) e do Exército Livre da Síria (ELS).[19]
 Aquecer o mercado armamentista é outra vantagem objetiva com a nova abordagem estadunidense. É útil para este ramo o envolvimento amplo de nações no conflito, pois exploram o mercado consumidor gerado pela guerra. Uma guerra sem fim, na qual o peso de um aliado é calculado pela quantidade de equipamento militar que ele se dispõe a comprar.O prolongamento temporal e territorial do conflito ainda possui o benefício de estender a demanda por suprimentos pelas partes beligerantes, lógica que influenciaa tomada de decisões da Casa Branca e do Congresso pressionados pelo lobby do complexo militar-industrial, interessados diretos no confronto.Afinal, a guerra é uma oportunidade de negócios que os EUA sabem aproveitar como nenhuma outra nação. Além dos dados já apresentados, existe um mercado milionário de mercenários, monopolizados por empresas norte-americanas de propriedade de ex-funcionários do governo, da CIA e do Departamento de Segurança. Estas corporações, que tem como representante mais destacada a antiga Blackwater Worldwide (atualXe), recrutam ex-soldados de setores de elite do exército para executarem operações ilegais (aquelas que a CIA não pode fazer diretamente por restrições legais) como assassinatos, atentados, torturas, etc. Elas atuam como força auxiliar no Afeganistão e Iraque e tiveram um papel pronunciado na queda de Kadafi na Líbia.Atualmente realizam operações junto ao ELS na Síria, inauguraram a era moderna das guerras terceirizadas.
Os interesses econômicos, principalmente da indústria petrolíferas, são os mais evidentes. No entanto, a indústria das armas, de segurança (mercenários) e construção civil (economia de reconstrução pós-guerra), apesar de terem interesses mais discretos ganham destaque num ambiente de crise econômica internacional.Por fim, o interesse dos bancos, que vislumbram atuar no mercado de empréstimos aos governos fantoches (como ocorre hoje no Afeganistão, Iraque e Líbia) lucrando com juros de dívidas impagáveis, contraídas geralmente de forma fraudulenta.
A Doutrina Obama logrou alcançar um nível de sofisticação na política exterior impossível para a estreitavisão de George W. Bush e do atual candidato republicano Mitt Romney. É uma tentativa decidida, porém limitada,de conter a tendência decrescente do poder estadunidense nas relações internacionais.O tom pretensioso das declarações de Barack Obama e dos chefes de estado europeus em relação à necessidade de “democracia” e do fim do regime do Baath na Síria contrastam com o ambiente de incertezas e de instabilidade econômica e social que vivem suas próprias “democracias”. O poder de decisão das potências imperialistas é constrangido, cada vez mais, pelas contradições de seu próprio sistema de reprodução material. O imperialismo luta para sobreviver. A sobrevivência é sempre mais violenta do que a vida.
A política de terra arrasada
O objetivo imediato das operações da CIA junto com as dissidências (CNS e ELS) é destruir a viabilidade nacional síria. Para além do declarado, “fim da ditadura de Bashar Al Assad e pela democracia”, o que se planeja é a balcanização [20]do território, construção de governos fantoches em pequenos estados étnicos-religiosos[21].Tal medida pavimentaria objetivos estratégicos de governos pró-ocidentais no Oriente Médio.
Para Israel, o plano de fragmentação da região do Levante[22]em uma miríade de estados fracos é uma doutrina geopolítica antiga, de ideologia sionista, e ganhou força na década de 80 sob o nome de Plano Yinon. As diretrizes apontadas pelo artigo A Strategy for Israel in the Nineteen Eighties(1982), de autoria de OdedYinon, defendem que a autoafirmação do Estado de Israel depende da divisão da Síria e do Iraque em micro-estados religiosos, confessionais e étnicos.[23]
Já para as monarquias sunitas wahhabitas, como Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos e Bahrein bem como a Jordânia, a desagregação da Síria significa um golpe mortal no inimigo político-ideológico antigo, o republicanismo pan-árabe, que vigora em Damasco desde a década de 60. Além de ser na dimensão religiosa uma manobra de isolamento doxiismo.
A Turquia,além de colaborar com os esforços norte-americanos por ser parte do seu condomínio de poder(OTAN), tem objetivos próprios e complexos, principalmente em relação à questão curda. Apoia a criação de um Estado Curdo dentro das áreas do Curdistão Iraquiano e Sírio, exceto naquela fração que está dentro do seu próprio território. Mantêm relações diplomáticas com o Governo Regional do Curdistão (Iraque) sem passar por qualquer mediação com o governo central em Bagdá. Mas o principal problema de Ancaraé com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, uma organização revolucionária que percebeu a manobra do imperialismo e apoia o governo de Damasco, e, além disso, tem ganhado expressiva força nas áreas curdas dentro do território turco. O Governo Turco tem sido um dos atores principais da guerra na Síria, é a principal retaguarda estratégica do CNS e do ELS, a cabeça de ponte do imperialismo no conflito.
Desde04 de outubro, a situação militar entre Turquia e Síria se agrava diuturnamente, logo depois que o Parlamento turco votou pela autorização ao Exército de realizar operações em território do país vizinho. O estopim desta medida teria sido a morte de 5 pessoas em uma aldeia turca deAkçakale, na regiãofronteiriça (03/10), em consequência de disparos de artilharia do Exército da Síria. Fato extremamente controverso, pois tais disparos aparecem como uma agressão de Damasco, mas outras possibilidades não são levantadas.Há indícios de acidente uma vez que os combates entre os dissidentes armados e o Exército Sírio se dão perto dali, em território da Síria.Outra possibilidade é que os próprios rebeldes (em conjunto com seus apoiadores) tenham criado um ataque de provocação, gerando uma justificativa para a Turquia entrar formalmente na guerra.O governo de Bashar Al Assad é cauteloso, em resposta oficial declara que estão sendo investigadas as circunstâncias dos disparos. No entanto, independentemente dos autores dos disparos e suas razões, este fato foi extremamente benéfico para a dissidência e para a aliança pró-ocidental que a apoia. Até o momento, tanto a Síria quanto a Turquia disparam morteiros de retaliação, conforme o protocolo dos tratados internacionais. A situação se degrada e a guerra entre os dois países é cada vez mais próxima. A suposta agressão colabora com os objetivos do Primeiro Ministro turco, Tayyip Erdogan, que já algum tempo vem procurando motivos, “reais ou artificiais”, para justificar uma guerra aberta contra a Síria. Exemplo disso é a tentativa da Turquiade provocar um conflito aberto por meio da invasão do seu espaço aéreosírio[24]e a retaguarda que oferece aos efetivos e equipamentos militares dos rebeldes anti-governo de Assad.
É necessário considerar outra dimensão do conflito, a barbárie contra a população e os símbolos nacionais, culturais e religiosos do povo sírio. Além da tentativa de fragmentar o Estado e seu território, é fundamental que os dissidentes e seus parceiros,para queatinjam seus objetivos,promovam a destruiçãodas bases de manifestação de um sentimento nacional. A demolição do patrimônio histórico – cultural, como ataque a mesquitas, igrejas, locais sagrados de peregrinação, sítios arqueológicos, obras arquitetônicas de milênios, como acontecem nas cidades de Aleppo e Homs, é uma prova que a subjetividade dos sírios é também um alvo militar. A destruição dos monumentos vem acontecendo de forma sistemática, criando um impacto psicológico de massas, com grande alcance e prolongado efeito.Aliado a isso, franco atiradores disparam contra manifestantes e espectadores de atos públicos contra ou a favor do governo, disseminando o terror no seio do povo[25]. Não é sem propósito que o Conselho Nacional Sírio utiliza outra bandeira, diferente do pavilhão oficial da República Árabe Síria[26]. Dividir o território, soterrar a história, profanar os símbolos, violar a memória individual e coletiva são também expressões da estratégia ocidental, a dimensão psicológica (disseminar o terror ou guerra psicológica) é também um instrumento militar.
Portanto, para destruir a viabilidade nacional síria a dissidência executa a política de terra arrasada. Opera no sentido de dilacerar a capacidade econômica, política, militar, diplomática e simbólica do Estado, mas também age psicologicamente sobre a população, lhe subtraindo parcelas de sua subjetividade, de sua trajetória individual, comunitária e social.É uma guerra total, não se trata de remover um governante ou mudar um regime, trata-se de destruir a Síria e seu povo, em sua dimensão de projeto pan-árabe, como povo soberano e autodeterminado, como fração singular da humanidade.
A resistência do governo e do povo sírio
Mesmo com todo aparato midiático, a chamada dissidência síria não consolidou um amplo movimento de massas contra o governo do Bashar al Assad, a força dos rebeldes está diretamente relacionada ao apoio estrangeiro em armamentos, suprimentos, informações e mercenários.Enquanto isso a população se unifica em torno da defesa da Síria, realizando manifestações contundentes contra a Guerra Civil e em apoio a regime. Voluntariamente, milhares de jovens se alistam no Exército Árabe da Síria, contrariando a informação sobre as deserções em massa.
Tem se tornado mais clara as intenções da dissidência entre a população síria, mesmo a parcela que se opõe ao governo de Bashar Al Assad, que existe e se organiza em partidos de oposição ao regime, não admite a solução pró-ocidente, nem tampouco a decomposição da unidade territorial. Este fato constrange o desenvolvimento de uma opinião pública internaanti-regime.
No campo internacional, o Governo Sírio conta com a colaboração ativa da Rússia, China, Índia e Irã nas disputas diplomáticas. O Hezbollah (Líbano) também participa do movimento internacional de apoio ao governo sírio, principalmente denunciando os interesses de Israel na decomposição do quadro militar e político do país vizinho. Na ONU, a cada dia mais países transitam da situação de apoiadores dos rebeldes para uma posição abstencionista, o que melhora significativamente o quadro diplomático e a capacidade de Damasco solidificar um campo de disputa e defesa mais amplo no cenário internacional. Exemplo disso foi os resultados da Conferência do Movimento dos Países Não –Alinhados que aconteceu no Teerã, em agosto, cúpula que fortaleceu a posição de solução política e a rejeição veemente da intervenção das potências ocidentais no conflito.
No teatro de guerra, o Estado Sírio tem alcançando êxitos significativos. Primeiro, porque logrou desenvolver uma estratégia de combate de alto-rendimento. Conseguiu isolar substancialmente a linha de abastecimento logístico dos rebeldes, bloqueando as principais rotas de acesso à Turquia, e sem esta oferta de suprimentos os grupos armados perdem capacidade operacional significativamente. No terreno da inteligência, agentes do governo sírio estão infiltrados no interior das fileiras rebeldes e já lograram desmantelar um grande número de grupos armados e destruir depósitos de armas, suprimentos e equipamentos de comunicação. A vitória nos combates na região de Aleppo teve uma forte repercussão no moral da dissidência, que começar a recuar das posições que havia conquistado no noroeste do país, principal área de contato com os apoiadores estabelecidos na fronteira da Turquia. O grande eixo estratégico do conflito está ao norte do país (fronteira turca), que vai de Latakia á AlHasakah. Latakia é um reduto alauíta, pró-Governo, mais ao leste fica Aleppo, região mais “quente” do conflito, e na província de Al Hasakah o governo conta com a colaboração das guerrilhas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que isolam parte considerável da fronteira nordeste, que segundo informações não oficiais é a linha de comunicação dos apoios ao governo provenientes do Irã.
Por fim, o povo sírio entrou na resistência contra o golpe, o Governo construiu um sistema de comunicação direto com a população, esta informa às autoridades a movimentação dos rebeldes, locais de esconderijo e a localização de contrabandistas e agentes estrangeiros em operação no país.
A consciência nacional síria parece entender que os problemas sírios devem ser resolvidos pela população e não porestrangeiros ou grupos anti-nacionais. Este fator tem sido menosprezado pelo Ocidente. A solução militar está longe de ser uma estratégia vitoriosa para os dissidentes, porém pode ser prolongada pela colaboração ativa de seus patrocinadores ocidentais e pró-ocidentais. Na dimensão social, se encontra cada vez mais isolados do povo sírio, e quanto mais se amplia o isolamento, mas cruel se torna o seu modus operandi.
Disjuntiva Estratégica do Mundo Árabe
Os resultados do conflito em curso na Síria definem em grande parte o destino do Oriente Médio.
A vitória do governo da Síria implica na sobrevivência do nacionalismo árabe, e na elevação do prestígio político dessa corrente de pensamento que tem em Damasco o seu principal pólo de difusão. Antes de tudo por ser uma ideologia das classes subalternas do mundo árabe que tem uma cultura política permeável às posições de confronto ao imperialismo e defesa do republicanismo e da laicidade das instituições públicas. O projeto pan-árabe, que vislumbra a criação de um único estado para os povos árabes, permanecerá vivo enquanto o regime sírio resistir. O vigor deste projeto reside principalmente na capacidade da intelectualidade síria de perceber que a Questão Nacional Árabe passa pela criação de um único estado que compreende a Síria, Líbano, Jordânia e Palestina inicialmente, com possibilidades de expansão para o Iraque e Península Arábica. Um estado viável nacionalmente e capaz de ter uma posição mais favorável nas relações internacionais.[27]
O destino do Irã está imbricado com a guerra no Levante. De alguma maneira a ofensiva imperialista sobre o povo iraniano já começou e os combates acontecem nas ruas da Síria. Israel já admitiu que “poderá” realizar operações de sabotagem contra instalações nucleares iranianas. As monarquias pró-estadunidenses se armam e afinam o discurso com Washington, “o ataque ao Teerã passa por Damasco” é o mote condutor da estratégia norte-americana.[28]
Tanto a causa palestina quanto a estabilidade no Líbano são influenciadas diretamente pela situação na Síria. No entanto, o Hamas, que teve exílio nas últimas duas décadas em Damasco e participou até agosto do movimento de apoio ao governo de Assad, rompeu a aliança e se posicionou em favor da aliança anti- Síria, se aproximando da área de influência do Catar.[29] Já o Hezbollah tem participado enviando combatentes para as linhas de defesa do governo sírio[30].
A disjuntiva história e estratégica no Oriente Médio não cabe na contradição entre democracia e ditadura, como anuncia o ocidente desde a chamada “Primavera Árabe”. As reivindicações de liberdade e democracia são legítimas, mas não estão isoladas do contexto social e internacional do Mundo Árabe. O curso dos acontecimentos tem mostrado que a contradição principal situa-se na consolidação de uma trajetória soberana para os povos árabes em contraposição ao aprofundamento do sistema neo-colonial pró-ocidente[32]. Autodeterminação versus subordinação imperialista.
Os setores socialistas, revolucionários, populares e democráticos caminham para o rumo político adequado na Síria, colaboram com o Governo e engrossam as fileiras contra o fundamentalismo e o imperialismo. Neste processo, ampliam sua presença política junto às massas, consolidam bases populares e acumulam força social e autoridade política para pleitear reformas, mudanças e aprimoramento no regime, necessários para este momento histórico. O resultado desta linha de ação pode vir a inaugurar novos patamares de disputa na sociedade Síria, dentro de um ambiente de soberania e unidade nacional.
A vitória encontra-se nas mãos do povo sírio e na solidariedade de todos os oprimidos do mundo. Por isso é necessário combater as ilusões em relação ao caráter da dissidência na Síria, e perceber a realidade existente para além deste terrível jogo de sombras.
NOTAS
 [3] A complexa configuração política e religiosa presente no Oriente Médio, tratada de uma maneira mais geral e sintética, pode ser entendida tomando em consideração dois grandes campos. 
O campo formado por correntes fundamentalistas do sunismo, que com suas diferenças internas convergem em uma visão ortodoxa do Islã, na qual se inserem o wahhabismo e o salafismo. O wahhabismo originou-se no século XVIII na Arábia Saudita com Muhammad binAbd al Wahhab, seu pensamento prevê o juramento de lealdade do muçulmano ao seu governo e a adoção da sharia - lei religiosa proveniente do Islã ortodoxo que determina as bases do estado, do governo e a organização da sociedade partir de uma visão teocrática. A Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes e Bahrein, todas monarquias sunitas, sendo as duas primeiras monarquias absolutistas, adotam e procuram difundir o wahhabismo promovendo a perseguição de muçulmanos xiitas e de correntes islâmicas com influência sufi (considerada uma corrente herética, principalmente por não adotarem a sharia) dentro e fora de suas fronteiras. São aliadas estratégicas dos EUA no Oriente Médio, tendo relações comerciais importantes no ramo petrolífero e bélico. A Al Qaeda é a organização wahhabita mais conhecida, financiada pela CIA nas décadas de 70 e 80 para combater os soviéticos no Afeganistão, orientou-se na década de 90 para uma visão anti-ocidental, sem desprezar, no entanto, alianças táticas com o Ocidente para combater regimes e organizações políticas laicas ou religiosas de orientação xiita. Os salafitas, por sua vez, proveniente da radicalização do wahhabismo, são uma corrente minoritária dentro do islamismo sunita, tem crescido fortemente na Líbia, Tunísia, Egito e Iraque, após a chamada “Primavera Árabe”, empreendendo ataque contra cristãos e muçulmanos xiitas ou sunitas moderados. A Irmandade Muçulmana, organização internacional fundada no Egito em 1928 é a maior expoente do salafismo.
Um segundo campo, formado pelo pensamento pan-árabe, que conta com a convergência de setores modernizadores, nacionalistas, socialistas, republicanos e anti-imperialistas, com ampla capilaridade na população de orientação muçulmana xiita e sunita moderada, além das minorias não islâmicas do Oriente Médio. Este campo originou-se do desmembramento do Império Otomano, no inicio do século XX, e ganhou força após o fim da II Guerra Mundial, impulsionado pelo anticolonialismo terceiro-mundista. Tem como fundamento a criação de um único estado para o povo árabe, ideal alimentado por Nasser, no Egito, e pelo Partido Baath, na Síria, com as tentativas de unificação destes dois países entre 1958-1961, vindo a formar a República Árabe Unida. A Síria atual continua sendo um polo de irradiação deste pensamento, tendo perdido terreno na região em consequência da proliferação de governos de orientação pró-estadunidense.
[4] Organização frentista no governo atualmente, que tem como componentes 8 partidos entre eles o Partido Árabe Socialista Baath.
[5] Com destaque para o Estado de Israel e as monarquias da região, em especial a Arábia Saudita, Qatar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos.
[6]Basta recordar o golpe de estado fracassado na Venezuela em abril de 2002, quando a RCTV (principal rede de televisão do país) anunciou durante semanas as manifestações contra o Presidente Hugo Chávez e simplesmente ignorava as manifestações ao seu favor. A rede de TV chegou inclusive a anunciar detalhes do golpe antes mesmos dos fatos terem acontecido.
[7]Composta pelo Partido Árabe Socialista Al-Baath- PASB, Partido Comunista Sírio – PCS, Partido União Socialista Árabe, Partido Nacional Socialista Sírio, Partido do Movimento Socialista Árabe, Partido Nacional Al-Ahd, Partido da União Democrática Socialista, Partido Sindicalista Socialista Democrático e o Partido Sindicalista Socialista.
[8]O panorama religioso conta com 74% de muçulmanos sunitas e cerca de 15% de xiitas( entre eles alauítas e drusos) e outros 10% de cristãos. Em relação às etnias, 85% são árabes, a principal minoria são os curdos que chega à aproximadamente 13% da população. Os alauítas, mesmo não sendo considerados como islâmicos pelos demais muçulmanos se auto identificam como xiitas. Bashar al Assad (atual presidente) pertence à este setor. Devido à natureza popular do xiismo, grande parte dos alauitas é partidária do Baath. Os drusos, seita islâmica de orientação xiita, considerada herege pelos sunitas, também são apoiadores do governo sírio. Grande parte etnia curda é de muçulmanos sunitas, no entanto são combatidos pelos sunitas wahhabitas por possuírem uma teológica mais sincrética, que reúne elementos do lazdaismo (antiga religião da etnia) e influências sufi. O Partido dos Trabalhadores do Curdistão apoia o governo sírio.
[9]Muçulmanos que acusam outro muçulmano de heresia. Os Takfiris, neste contexto, são geralmente salafitas.
[10]New York Times, 21/06/2012.
[11]Em um conflito desta natureza todo apoio é militar. A oferta de equipamentos “não letais” por parte das potências ocidentais tenta esfumaçar a opinião pública internacional, escamoteando seus verdadeiros interesses na queda do regime sírio. Nada garante que não são equipamentos militares convencionais, e mesmo que fosse não letais uma guerra não se ganha apenas com armas e munição; alimentos, medicamentos, instrumentos de comunicação e transporte são tão valiosos e decisivos quanto fuzis e balas.
[12]Fonte: Reuters 16/08/2012.
[13] Fonte: http://actualidad.rt.com 20/02/2012
[14] Fonte: http://www.independent.co.uk/ 13/06/2012
[15] Recentemente, foram descobertas novas reservas de gás em vários pontos do território Sírio, com destaque depósitos localizados em seu mar territorial.
[16] Fonte: New York Times, 26/08/2012
[17] É importante ressaltar que os elementos do que chamamos “Doutrina Obama” não são novidades na política imperialista ianque, com intensidades diferentes foram utilizados por diversos governos, principalmente após a sistematização dada por Henry Kissinger (Secretario de Estado dos EUA entre 1973-77). O que pretendemos com esta caracterização é reforçar o registro próprio assumido pela administração de Barack Obama no que toca a política exterior, que se diferencia da lógica empregada pelo seu antecessor, George W. Bush.
[18] A título de exemplo, para demonstrar a superficialidade de algumas análises supostamente revolucionárias; o atentado de 18 de julho a sede da Segurança Nacional Síria, em Damasco, que levou à morte 4 generais do Exército, foi celebrada pela imprensa ultra-esquerdista brasileira e mundial como feito de uma “autêntica” insurreição revolucionária na Síria. Desconheceram, no entanto, que tal operação (chamada “vulcão de Damasco”) foi dirigida por um dos principais agentes da CIA no Oriente Médio, o príncipe saudita Bandar benSultanbenAbdelazziz Al Sauod, morto por um atentado a bomba no dia 26 de julho; era filho do Ministro da Defesa saudita de 1963 a 2011, o Príncipe Sultan. Bandar benSultan foi embaixador em Washington (1983-2005) e possuía estreitas relações com George Bush, que levou a ser chamado pela a impressa norte-americana de BandarBush. São patéticas tais leituras que procuram valor revolucionário em um ataque organizado pela CIA e executado por um príncipe da Arábia Saudita, uma monarquia absolutista e aliada mais importante dos EUA, depois de Israel, na região. Tais análises não investigam os fatos, apenas os interpretam à sombra de um esquema. Para eles o dogma substituiu o método.
 [19] Respectivamente a estrutura política e militar da dissidência.
[20] Estratégia adotada pelos EUA na Iugoslávia nos anos 90, que levou a fragmentação do país em diversos estados etnicamente identificados (Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia e Macedônia). O fomento a dissidências e o questionamento artificial dos estados plurinacionais são uma das linhas de atuação da política exterior norte-americana.
[21] “Maplecroft da Grã-Bretanha, que é especializada em consultoria em risco estratégico, disse que nós estamos testemunhando a balcanização do Estado sírio: "curdos no norte, drusos nas montanhas do sul, alawitas na região noroeste do litoral montanhoso e a maioria sunita em outro lugar." MahdiDariusNazemroaya .Global Research. 15/08/2012.
[22] Levante corresponde a região geográfica que compreende o Líbano, Síria, Jordânia, Palestina e Iraque. [15]
[23] “(...) Dissolução total do Líbano em cinco províncias serve como um precedente para todo o mundo árabe, incluindo o Egito, Síria, Iraque e na Península Arábica e já está seguindo essa trilha. A dissolução da Síria e do Iraque, mais tarde, em áreas etnicamente e religiosamente definidas, como no Líbano, é alvo primário de Israel na frente oriental, a longo prazo, enquanto a dissolução do poder militar dos Estados serve como o destino de curto prazo. Síria vai desmoronar, de acordo com a sua estrutura étnica e religiosa, em vários estados, como no atual Líbano, de modo que haverá um estado xiita Alauíta, ao longo de sua costa, um estado sunita na área de Aleppo, outro estado sunita em Damasco, hostil ao seu vizinho do norte, e os drusos, que irá criar um estado, talvez até mesmo em nossa Golan [Israel], e certamente em Hauran e no norte da Jordânia. Este estado de coisas vai ser a garantia de paz e segurança na região, a longo prazo, e que o objetivo já está ao nosso alcance hoje.” YINON, Oded, A Strategy for Israel in the Nineteen Eighties, 1982. Publicado no Jornal KIVUNIM, sob responsabilidade do Departamento de Publicidade da The World ZionistOrganization, Jerusalém. Origem: http://members.tripod.com/alabasters_archive/zionist_plan.html
[24] Tais provocações turcas começaram há meses. No dia 22 de julho de 2012, um caça turco foi abatido pelas forças Sírias quando invadiu o espaço aéreo deste país. Nenhuma retratação foi feita pelo governo de Ancara.
[25] Outra prática muito parecida com a utilizada na tentativa de golpe na Venezuela em 2002.
[26] Mesma tática simbólica utilizada pelos rebeldes líbios anti-Kadafi, que ressuscitaram a bandeira da finada monarquia daquele país.
[27] É importante lembrar as iniciativas históricas neste sentido com a breve unificação na República Árabe Unida (Síria e Egito) em 1958 a 1961, em com a adesão do Iémen do Norte se constituiu os Estados Árabes Unidos. O Iraque em 1960 também entrou em negociação para aderir ao novo arranjo estatal, mas a unidade não se consolidou e entrou em colapso em 61. E a tentativa entre 1972 a 77 de criação da Confederação de Repúblicas Árabes que compreenderia a Síria, o Egito e a Líbia.
[28] Ver entrevista com Tony Cartalucci, analista político. Escreve para Global Research e Activist Post. Disponível: http://www.resistir.info/moriente/cartalucci_18set12.html
[29]O Hamas (grupo dirigente da Faixa de Gaza/Palestina) discute a transferência do escritório da organização para Doha (Catar) ou Cairo (Egito). Nas últimas semanas, a direção do Hamas tem aparecido publicamente em companhia de representantes dos Al Thani (família real do Catar). Fontes: http://www.bbc.co.uk, http://mtja.com.br/, http://www.estadao.com.br.
[30]Fonte: “Hezbollah enviou combatentes para apoiar Bashar Al-Assad “ fonte: http://portuguese.ruvr.ru/ 02/10/2012
[31]Caso as reivindicações democráticas fossem o combustível das revoltas, as monarquias sunitas da península arábicas não estariam em relativa calma em relação aos conflitos sociais (exceto Bahrein que contou com algumas manifestações da maioria xiita), muito menos estariam apoiando movimentos “democráticos” de oposição na Síria. Apoiam estes movimentos justamente por não serem democráticos, e muito menos sírios, mas por serem pró-ocidente e sunitas wahhabitas.
( Estudo exploratório da conjuntura da Síria. Finalizado em 08 de outubro de 2012)
Pedro Otoni   é cientista político, membro do Cedebras e do Conselho Editorial da Revista Bandung. É militante das Brigadas Populares.

domingo, 14 de outubro de 2012

Noam Chomsky: As 10 estratégias da mídia para manipular as massas

 O linguista Noam Chomsky elaborou uma lista das “10 estratégias de manipulação através dos meios de comunicação de massa”. Confira o vídeo e descubra como você está sendo manipulado.

 





A seguir veremos em que consistem as 10 estratégias de maneira detalhada, como influem na hora de manipular as massas e em que são baseadas.

1. A estratégia da Distração:

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio, ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o público de interessar-se por conhecimentos essenciais, nas áreas da ciência, economia, psicologia, neurobiologia e cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais”

2. Criar problemas e depois oferecer soluções.

Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Se cria um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou que se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas desfavoráveis à liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3. A estratégia da gradualidade.

Para fazer que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Foi dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4. A estratégia de diferir.

Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais difícil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato.
Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Depois, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “amanhã tudo irá melhorar” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia da mudança e aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5. Dirigir-se ao público como crianças.

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse uma criança de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto mais se tenta enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como as de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade.”

6. Utilizar o aspecto emocional muito mais do que a reflexão.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e finalmente no sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos.

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade.

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de ser revertida por estas classes mais baixas.

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade.

Promover ao público a crer que é moda o ato de ser estúpido, vulgar e inculto.

9. Reforçar a autoculpabilidade.

Fazer com que o indivíduo acredite que somente ele é culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, no lugar de se rebelar contra o sistema econômico, o indivíduo se auto desvaloriza e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10. Conhecer aos indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem.

No transcurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado uma crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, a neurobiologia a psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto em sua forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior que o dos indivíduos sobre si mesmos.

Assustador?

Fonte: Blog Brasil a Rua é Nossa

China e EUA em meio a um confronto anunciado



Alain Frachon e Daniel Vernet, ex-diretores de redação do “Le Monde” e especialistas em relações internacionais, investigaram as relações caóticas das duas grandes potências ao longo de mais de dois séculos. Uma rivalidade cada vez maior. Uma sobe e a outra se vê em declínio.

David Larousserie

O presidente chinês Hu Jintao, o presidente dos EUA, Barack Obama, e a primeira-dama, Michelle Obama antes de jantar de gala durante visita do presidente chinês ao Estados Unidos, em janeiro de 2011
O presidente chinês Hu Jintao, o presidente dos EUA, Barack Obama, e a primeira-dama, Michelle Obama antes de jantar de gala durante visita do presidente chinês ao Estados Unidos, em janeiro de 2011
A rivalidade entre a China, segunda maior economia do mundo, e os Estados Unidos, que continuam sendo a primeira, é proporcional à interdependência: cada vez maior. Ela é também multiforme: comercial, científica, cultural, enfim, estratégica, com um confronto que poderá acabar mal no Pacífico. Alain Frachon e Daniel Vernet investigaram uma dupla cuja relação moldará o século. Nos dois países há otimistas, que apostam em uma coexistência pacífica, e pessimistas, que anunciam um confronto inevitável. Entre estes últimos está o coronel Liu Mingfu, que os autores encontraram em Pequim. A seguir, um trecho do livro “La Chine contre l’Amérique: le duel do siècle” [“A China contra os EUA: o duelo do século”].
Chineses comemoram o 63º aniversário da República Popular da China

Fogos de artifício celebram o 63º aniversário da fundação da República Popular da China, nesta sexta-feira (1º) no porto de Victoria, em Hong Kong
A fábula do tigre, do carneiro e do elefante 
No começo da entrevista, o coronel está calmo, contido, professoral. Cai bem ao personagem. Afinal, ele leciona em escolas militares. Ele tem um motorista e um ajudante-de-campo. É uma personalidade no meio dos estrategistas chineses. Ele tem uma certa ideia de sua importância. Não carrega arma na cintura, mas sim uma Instamatic: a sessão de fotos é obrigatória na chegada, no começo da conversa, e depois no momento da despedida – com o coronel no centro, bem mais alto que os dois jornalistas franceses que foram visitá-lo.

Ele usa um tom erudito para explicar a seus interlocutores: “Nós, a China, e os Estados Unidos, teremos pela frente um século de relações extremamente complicadas. E essa relação determinará o perfil do período”.

O coronel Liu Mingfu, de jaqueta preta, gravata preta e camisa e calça verde cáqui, publicou no início de 2010 um livro que o tornou famoso. A obra intitulada “O Sonho Chinês” já foi reeditada quatro vezes. As grandes empresas o dão a seus funcionários “para estimular sua competitividade”, ele diz. O livro será traduzido para o inglês. Ele serve de base para seu curso na Academia de Defesa de Pequim e figura no programa de outras academias militares do país.

Liu Mingfu nos recebe em uma grande caserna do centro da capital. As portas ficam abertas, o jardim de entrada é aconchegante. Bem no meio do gramado central, destaca-se uma estátua de Mao com cerca de 4 metros de altura, como guardiã do recinto. Alinhados como em uma parada militar, pequenos prédios abrigam os apartamentos dos oficiais. Embaixo, ficam estacionadas bicicletas e Audis pretos fabricados na China.

O coronel Liu resume seu livro. “O povo chinês precisa entender que entre nós e os Estados Unidos há uma única coisa em jogo: quem será o número um? Nosso sonho é sermos o número um, nos tornar a maior potência do mundo. Será nossa forma de participar de um mundo sem potência hegemônica, pois, você vê, a China não conseguiria exercer seu poder de maneira dominante como os Estados Unidos fazem”.

Em outras palavras, a China precisa se tornar uma gigante para dar um fim à preponderância americana. Só então é que o mundo se tornará verdadeiramente multipolar, pois a China não abusará de sua posição. Isso é dito com convicção e um grande cuidado didático, caso os convidados manifestem qualquer ceticismo. “No mundo sempre é preciso haver um campeão, uma potência superior às outras”, observa o coronel, “mas nós encarnaremos um novo estilo de campeão, um campeão não hegemônico. Eis porque o mundo será melhor quando a China for a nação número um”.

Na sala do apartamento, de uma elegante sobriedade, o motorista serve o chá. O ajudante-de-campo se instalou à direita do coronel, e os visitantes em frente, ao redor de uma grande mesa alta em madeira laqueada. O coronel se empolga: “Entre os Estados Unidos e a China a corrida pela hegemonia pode durar um século, é uma questão que fará tantos vencedores quanto perdedores”. “Nós podemos ser parceiros econômicos e financeiros, mas, mesmo nesse domínio, hoje, a guerra começou. Os Estados Unidos têm o poder de seduzir, eles têm seu ‘soft power’, mas os chineses não têm somente fascinação pelos Estados Unidos, eles também têm a sensação de que estes estão tentando sufocá-los, sufocar a cultura chinesa”. “Por fim, há o nível estratégico em nossas relações, onde somos concorrentes”, e é por isso que o coronel defende “um esforço contínuo de ajuste militar chinês”.

Liu Mingfu é um dos porta-bandeiras mais pitorescos de uma corrente que às vezes vai muito bem em Pequim: o ultranacionalismo. Com a morte de Mao, os dirigentes do Partido buscaram uma ideologia para substituir o comunismo tal como queria encarnar o Grande Timoneiro. Este deixou um país exaurido. A China foi sangrada pelos caprichos criminosos do maoísmo. Foi esgotada por massacres coletivos, traumatizada pelas fantasias assassinas e monstruosas de um Nero asiático que continua sendo um dos piores ditadores do século 20.

A partir do início dos anos 1980, o Partido Comunista Chinês se voltou para o nacionalismo. Ele exaltava o patriotismo resgatado de uma nação prestes a reconquistar sua posição de grande potência. Ele explorou seus sucessos econômicos com fins políticos. Temas recorrentes: a China está se vingando por anos de humilhação nas mãos de estrangeiros, está reconquistando um lugar que nunca deveria ter perdido. Por mais conectados que estejam ao resto do  mundo, os jovens chineses foram alimentados com uma mistura de patriotismo revanchista e orgulho nacional exacerbado. Esse nacionalismo se exprime no sentimento de uma rivalidade sem dó para com a outra “grande nação”, os Estados Unidos.

“Os Estados Unidos têm um sonho, liderar o mundo”, retoma Liu Mingfu, “e nós temos o nosso, sermos o número um”. “O século 21 será a história da corrida entre esses dois sonhos, da concorrência entre eles. Hoje, os Estados Unidos, para viverem seu sonho, querem sufocar o nosso.” O coronel Liu se justifica: “Nosso sonho é ainda mais legítimo pelo fato de nunca termos sido um país expansionista em toda nossa história. Mais recentemente, aprendemos com a história do Reino Unido e dos Estados Unidos, esses dois impérios. A rota que eles seguiram, a do imperialismo, esse caminho levou Londres à derrota e também levará os Estados Unidos”.

O ajudante-de-campo adormeceu. O motorista serve mais chá. Liu Mingfu se empolga. “Querem conhecer a visão de um militar chinês sobre os Estados Unidos?” A entonação não é tanto de pergunta, e sim de uma ordem a escutar mais atentamente. “Eles não estão mais aptos a exercer sua liderança sobre o mundo. Eles fizeram dos dez primeiros anos do século 21 um inferno para seu povo e para o resto do mundo. Qual foi a contribuição deles para esse início de século? Duas guerras [no Afeganistão e no Iraque] e uma crise financeira e econômica. Saldo: muitos mortos, sendo pouquíssimos deles verdadeiros terroristas. Isso prova que eles não podem mais ser a potência preponderante que pretendem ser. Eles precisam ceder o lugar.”

A diatribe se eleva, o ajudante-de-campo acorda. Liu Mingfu filosofa sobre a natureza da democracia americana, sobre esse sistema institucional de poderes e contra poderes que deveria impedir um abuso autoritário do Estado central. “No país deles, os americanos aceitam os checks and balances [peso e contrapeso] do lado de dentro, mas recusam os de fora. Só que isso também é necessário.” O coronel se enfurece: “Diga, quem vai pressionar, restringir e segurar os Estados Unidos? Ainda não existe um contra poder para a influência dominante deles. Eles têm toda a liberdade para fazer cada vez mais besteiras. Esses Estados Unidos são um país doente! É preciso contrabalançar seu poder para que ele volte a ser saudável”.

Liu Mingfu gesticula, eleva o tom, chama a intérprete chinesa, seu ajudante-de-campo e seu motorista para testemunharem. Um grande momento de indignação se anuncia, uma onda de fúria, um surto lírico, a salva final. “Nós podemos praticar o socialismo de características chinesas [é a designação oficial em Pequim para a abertura econômica], mas eles desenvolveram o capitalismo de guerra, senhores, o de um país que gosta de fazer guerra pelo mundo”.

O coronel pega no bolso do ajudante-de-campo um maço de cédulas, joga-as para cima. Elas caem como chuva sobre a mesa. “Está aí, é também um capitalismo que fabrica a dívida, que imprime dinheiro. É um capitalismo de jogadores. Se a China é a oficina do mundo, os Estados Unidos são o cassino. É um capitalismo de vigaristas que não reconhece seus erros, pressiona por uma valorização do yuan, para na verdade matar o yuan”.

Em tom trágico, Liu Mingfu conclui seu arroubo clamando por vingança. “É um capitalismo de bandidos, um capitalismo de corrupção, um capitalismo ditatorial. Eles [os EUA] deveriam pedir desculpas pela crise financeira mundial que provocaram e pagar a todos aqueles que eles arruinaram. Eles deveriam ser levados ao Tribunal Penal Internacional.”

O surto passou. Em um tom mais moderado, o professor da Academia de Defesa continua: “Hoje, os Estados Unidos estão tentando formar uma coalizão com a Índia, o Japão e a Austrália para conter a China no Pacífico Ocidental. Eles querem erguer uma muralha marítima ao longo de nossos 2.000 quilômetros de costa”.

Há possibilidade de guerra? “Talvez, provavelmente. Por quê? Porque a China está em plena ascensão enquanto eles estão em declínio. Então estão criando inimigos. Eles desestabilizam a China e a região do Pacífico. Os porta-aviões americanos nos ameaçam a leste, ao sul do mar da China. Estão criando instabilidade estratégica”.

Pequim costuma deixar o caminho livre para a expressão do nacionalismo – na internet, na imprensa ou na boca de um Liu Mingfu exaltado. Pode acontecer de o Partido Comunista encorajá-lo em caso de dificuldades internas. O problema para ele é não se deixar dominar, controlar o fluxo: acusado, suspeito de “fraqueza” diante do estrangeiro, o Partido Comunista poderia se tornar alvo da ira nacionalista.

Ao redor da mesa daquele que sonha com uma hegemonia chinesa absoluta, o humor ficou mais refinado. O coronel mostra o livro de Henry Kissinger sobre a China na página onde ele é citado pelo ex-secretário do Estado. Liu Mingfu não quer que seus convidados vão embora com uma má impressão, a de uma China que seria quase tão belicosa quanto os Estados Unidos da forma que pintam. De jeito nenhum. “Existem três papéis possíveis para a China”, ele conclui. “O do tigre, que, assim como os Estados Unidos, quer comer todo mundo. O do carneiro, que, como engorda, acaba sendo comido pelos outros. E por fim, o do elefante, animal herbívoro que não come os outros, mas que tampouco se deixa devorar”.

Entendemos, o elefante é a China de Liu Mingfu.
Tradutor: Lana Lim
Controvérsia

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Quando uma mentira se torna verdade: a tragicomédia da urna eletrônica brasileira.

O sistema eleitoral brasileiro está contaminado por incontáveis esquemas e deficiências, mas tudo isso é maliciosamente obscurecido pela criação e proliferação de certos "mitos". São mentiras retumbantes tomadas por verdades incontestes pelos ingênuos cidadãos de boa-fé. Repetidas exaustivamente pela propaganda institucional oficial a serviço de interesses privados e pelo oligopólio empresarial-midiático, essas aleivosias foram sistemática e cotidianamente propaladas como dogmas absolutos, teses autossustentáveis, impassíveis de crítica ou reflexão, sob pena de cometimento de algum crime ou censura moral pelo pensamento contra-hegemônico. Joseph Goebbels, ministro de Propaganda da Alemanha nazista, teria inveja de como mentiras indefinidamente repetidas podem se tornar "verdades" no Brasil. Críticos mais ousados já tiveram a oportunidade de desmascarar, nos canais e fóruns alternativos, um desses falseamentos que circulam livremente pela internet. Trata-se do mito do cancelamento da eleição na hipótese de que mais da metade dos eleitores anulem seus votos (voto nulo). Como está satisfatoriamente explicado na legislação eleitoral, essa teoria não passa de uma enorme bobagem insidiosa.
Agora é a vez de desnudar o mito da confiabilidade das urnas eletrônicas. Como se sabe, o Brasil passou a testar o voto digital e a urna eletrônica – em substituição ao voto de papel e à urna de lona – nos idos de 1996. Quatro anos depois, nas eleições de 2000, todos os eleitores votaram em urnas eletrônicas. O tipo de urna usado desde então por aqui é denominado de 1.ª geração, que havia sido inaugurado na Índia em 1990, na Holanda em 1991 e na Alemanha em 1996. Logo, muito antes do Brasil. Cai por terra, neste primeiro momento, o mito de que o Brasil teria inovado tecnologicamente na vanguarda dos processos eleitorais. Não fomos precursores disso coisíssima nenhuma. Aliás, há países muito mais avançados no desenvolvimento tecnológico das urnas eletrônicas, a exemplo dos que usam as urnas de 2.ª geração, como Venezuela (desde 2004), EUA (desde 2007), Holanda (desde 2008), Canadá (desde 2008), Rússia (desde 2008), Alemanha (desde 2009), Argentina (desde 2011) e Bélgica (desde 2012).
Ou seja, ao contrário da falaciosa versão oficial propalada, o Brasil não está na liderança, mas na lanterna do desenvolvimento tecnológico de urnas eletrônicas. Além do Brasil, somente a Índia adota sistema similar de 1.ª geração. O nosso sistema é o mais falho, inseguro e atrasado de todos. A Alemanha declarou a inconstitucionalidade do sistema de 1.ª geração em março de 2009, referendando o de 2.ª geração. Os EUA e a Holanda proibiram o uso de sistemas iguais ao nosso por conta da insegurança, da falta de transparência e dos riscos de fraude, pois esse sistema obstaculiza condições objetivas de controle e auditoria. O Paraguai recebeu urnas brasileiras e as devolveu, proibindo-as em 2008, exatamente por falta de segurança.
Em sentido diametralmente oposto ao que afirmam a propaganda institucional oficial, a mídia nativa e o Judiciário, nosso sistema não é confiável e está defasado. Nos países citados acima os sistemas de 2.ª geração garantem maior vigilância e segurança porque, dentre outras coisas, permitem o registro físico do voto em máquinas separadas e sem a identificação do eleitor. Nesses casos o voto é impresso, conferido pelo eleitor (que verifica se a anotação material na cédula corresponde à escolha digital), confirmado e confinado numa urna própria. O eleitor não recebe comprovantes ou vias secundárias do voto, o que poderia suscitar esquemas de compra de voto ou coação mediante apresentação de documento impresso. O voto é impresso e, caso confirmado na tela ou na mão pelos olhos do eleitor, imediatamente depositado numa urna, sem nenhuma identificação do eleitor ou correspondência com quem votou. Assim, o sistema de 2.ª geração se torna mais seguro e confiável por permitir: 1) imediata conferência do voto por meio de registro físico, o que serve de garantia na hipótese de manipulação ou falha do software do sistema digital; 2) apuração simultânea, auditoria e recontagem dos votos impressos para contraste com os votos registrados na urna eletrônica, de modo a garantir a equivalência numérica e quantitativa dos votos de cada meio.
A Lei N.º 12.034, de 29 de setembro de 2009, tentou atualizar o sistema de nossas urnas eletrônicas no mesmo sentido do que acontece nas democracias liberais institucionalmente mais avançadas. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n.º 4.543, proposta pela Procuradoria Geral da República, suspendeu a eficácia do art. 5.º da referida lei, que previa o voto impresso conferido pelo eleitor. No campo do direito comparado, há farta jurisprudência internacional, inclusive da própria corte constitucional alemã, que declara inconstitucionais as urnas eletrônicas que não registram o voto independente da memória eletrônica (voto impresso). Ou seja, exatamente o contrário do que fora decidido pela corte constitucional brasileira!
O Tribunal Superior Eleitoral tem monopolizado o controle da apuração sem permitir auditoria externa, perícia, recontagem ou qualquer procedimento externo ou associado de acompanhamento. Mesmo candidatos que apresentem provas consistentes de mau funcionamento de urnas são eventualmente condenados por litigância de má-fé. Afrontar a ordem posta é visto como algo temerário.
Dizem que o Supremo Tribunal Federal é o tribunal que erra por último. Veremos se persistirá no erro no julgamento de mérito da ação.
Os partidos políticos da esquerda revolucionária, os movimentos sociais e populares e os eleitores devem tomar ciência da falibilidade e da insegurança das urnas eletrônicas brasileiras. A democracia representativa liberal brasileira é mais frágil e trágica do que se imagina.
Por: Lucas Farias 

domingo, 7 de outubro de 2012

A “primavera” amarela carioca, o V de Vingança e a “força” das… urnas?

É preciso um trabalho cotidiano que torne agudo justamente o que o sistema vê como inaceitável: a ação coletiva e de classe.    

“Lembrai, lembrai, o cinco de novembro
A pólvora, a traição e o ardil,
por isso não vejo porque esquecer;
uma traição de pólvora tão vil”

Há uma frase muito conhecida dentro da esquerda, que diz que a “esquerda” só se une na cadeia. Esse ditado irônico tem seu fundo de verdade. Há realmente uma dificuldade em aglutinar os setores políticos anticapitalistas em bandeiras comuns de luta. Poucos grupos ou movimentos conseguiram essa proeza. Em momentos e contextos históricos específicos, o que unia a esquerda era o anti-imperialismo, a luta pela libertação nacional, a conquista de direitos sociais ou a derrubada de determinada ditadura militar. Longe de ficar admirando o passado com mera nostalgia, vale mencionar que a unidade nas lutas parece não ser apenas preferível, mas realmente efetiva do ponto de vista revolucionário, do que uma unidade construída nas urnas. “Ponto de vista revolucionário” é atualmente uma palavra fora de moda, em tempos neoliberais.
Num texto da Federação Anarquista Uruguaia (FAU) dos anos 90, este movimento neoliberal era denunciado como uma “guerra aberta à solidariedade e a tudo o que possa gerar culturas de cooperação” (FAU, Tempos de Eleições) e que “acabam alimentando a fragmentação e a atomização, em que cada um pensa somente em si” (FAU, Ibid). Hoje, principalmente nas eleições municipais do Rio de Janeiro, somos pressionados a nos unir numa mesma bandeira, sob uma suposta “primavera” amarela, que reafirma a opção das urnas como o caminho da mudança e transformação social, em torno de determinadas candidaturas políticas. A pressão chega a ares de denúncia, quando alguns afirmam que “votar nulo ou não votar” é fortalecer a direita. Não entrarei nas armadilhas da oposição simplista entre “votar ou não votar”. Primeiro, porque esta questão já vem carregada de noções políticas totalmente pré-construídas e, portanto, que se autorrespondem. Toda questão que pré-determina, de forma maniqueísta, suas próprias respostas deve ser questionada, pois não há como falar de política se nós não nos perguntamos de que política estamos falando e, em último caso, o que é e significa hoje realizar uma ação política. Deste modo, a desmobilização permanente, a substituição da ação coletiva pela privatização da vida, a redução da ação política de massas ao simples comportamento per si é a política por excelência dos que hoje se sentam confortavelmente nas tramas do poder. Olhando dessa maneira, não se pode sobrevalorizar a ação do voto “consciente”, voto nulo ou do não-votar, pois o sistema não se desestruturará a partir de suas próprias regras. É preciso algo mais. É preciso um trabalho cotidiano que torne agudo justamente o que o sistema vê como inaceitável: a ação coletiva e de classe.
Nesse cenário de ofensiva dura do sistema e de seus promotores, mas também de iniciativas de resistência que aqui e acolá surgem, ressurgem e se fortalecem, a história prova que as mobilizações populares, a ação direta e a luta permanente não sumiram da história. Nesse sentido, a primavera não se anuncia ao sabor das urnas ou de um candidato-mártir, mas sempre esteve presente nas iniciativas populares de autodeterminação. Iniciativas que enfraquecem a direita não dentro dos seus próprios instrumentos (doce ilusão…), mas a enfraquecem, pois dão protagonismo coletivo e criam um povo forte. Para não desesperar os imediatistas, que acham que as revoluções ou as mobilizações de massa estão “fora de moda”, não vamos cansar seus olhos com uma lista dos processo revolucionários dos últimos 100 anos. Basta citar algumas das lutas dos últimos vinte anos e veremos seus frutos, diante a passagem das estações.
Em 2006, Oaxaca. A partir de uma greve de professores, trabalhadores, donas de casa e estudantes unem-se aos grevistas. A greve vira insurreição popular. A insurreição torna-se poder popular. Este tem um nome: se chama Assemblea Popular de los Pueblos de Oaxaca, o organismo de autogoverno dos insurgentes. Outra iniciativa, ainda que com singularidades, foi a chamada “Primavera Árabe”. Mesmo com limites, a ação popular de massa e nas ruas derrubou regimes políticos encastelados há anos no poder. A “transição” democrática e burguesa operada pelas elites não tira o brilho das ruas, que, se não avançaram para uma revolução social, colocaram em evidência que os governos podem, sim, ser depostos e derrotados pelo povo.
Outro movimento inspirado pelo anterior, o occupy wall-street, formado basicamente pela juventude. Mas contando também com desempregados, velhos e novos ativistas, este se espalhou rapidamente pelo mundo. Com todos os seus limites, o vento anticapitalista soprou mais uma geração de ativistas. As máscaras do “V de Vingança”, utilizadas pelo grupo anonymous, inspirada claramente na revista de Alan Moore, de fato eram simbólicas de um movimento que tinha na ação direta e no protagonismo coletivo seu principal eixo. Mas havia outro elemento que as máscaras de Guy Fawkes e sua “Conspiração da Pólvora” sublinhavam. Essa conspiração aconteceu durante a Revolução Inglesa, uma revolução burguesa, onde católicos radicais planejavam explodir o prédio do parlamento. O personagem de “V de Vingança” retoma a face de Guy Fawkes não por acaso. O recado era claro, as mudanças não são feitas com os instrumentos dos dominadores. Retomar o rosto daquele que desejou explodir o principal símbolo (parlamento) dos exploradores tinha um significado preciso e bem definido: “não é possível vencer o amo com suas próprias ferramentas…”.
Num futuro não tão fictício do quadrinho de V de Vingança, onde um estado totalitário oprime o povo, Guy Fawkes realiza atentados a símbolos e agentes do governo. As últimas páginas da revista (também imortalizada nas cenas do filme) enfatizam a força coletiva dos agentes revolucionários. Milhares de pessoas saem às ruas, desafiando a ordem vigente e vestindo a máscara de Guy Fawkes. Nesses agentes reside a esperança de transformação. Não há esperança num salvador, num mártir, pois todos são ou podem ser Guy Fawkes. A transformação radical está baseada na força social de centenas de atores, que, antes pulverizados, enfrentam um governo opressivo; e nas ruas, e vencem… Essa é a imagem deixada pela máscara de Fawkes. A superação da política “privatizada” (cujo auge é o ritual cíclico e individual das eleições). Essa é a imagem do personagem principal de V de Vingança. Esse é o grito que diz para a juventude romper com o último grilhão político que a acorrenta às ilusões burguesas… rompam com as eleições, vão ajudar a organizar nosso povo!
Para sairmos do campo da ficção, antes que me acusem de querer transpor uma obra fictícia ao campo da história, nós, pobres socialistas utópicos, lembramo-nos de outras máscaras, as máscaras zapatistas. O grito do “Ya Basta” de um movimento social que sacudiu o México em 1994 − e, por que não dizer, revigorou com novos símbolos e esperança o movimento antiglobalização da mesma década – trazia marcadamente a figura encapuzada do subcomandante Marcos. Era um novo Fawkes, mas feito de carne e osso, saído não da obra de Alan Moore, mas da experiência ancestral de resistência dos pueblos que habitam o território que os colonizadores/dominadores chamaram de México. Era o autogoverno em curso. Os zapatistas saíram mascarados rumo à cidade do México, desafiando o poder vigente, numa longa marcha. “Subcomandante” Marcos, e não comandante, pois o poder não residia (e não reside) em Marcos, mas nas centenas de comunidades zapatistas, nas suas máscaras e suas assembleias, que decidem completamente os rumos do movimento. Em oposição a uma “ditadura” democrática de 70 anos do principal partido conservador do México, o PRI (Partido Revolucionário Institucional). A Outra Campanha tocada pelos Zapatistas também enfatizava uma estratégia consagrada pela frase de Emiliano Zapata, que dizia: “um povo forte não precisa de líderes”. Ao invés de apoiar um candidato, os zapatistas utilizaram o período eleitoral para ouvir as comunidades e formular um programa sob uma democracia direta enraizada na experiência comunitária. Na primavera “amarela”, ao contrário, são as comunidades que são chamadas a ouvir e votar em seu candidato.
A pretensão de unidade agora se anuncia com ares de novidade. As velhas e insossas ferramentas dos dominadores são nos apresentadas com ares de inovação. Não está em jogo a decisão pelas bases, a luta popular auto-organizada, tampouco o protagonismo das ruas. A mobilização é em torno da eleição de um candidato. Para isso, todo um mecanismo de maquiagem do velho entra em operação. Algumas máscaras do V de Vingança podem ser vistas nas ruas, sobre a febre da “primavera” amarela, não para ocupá-las e pressionar os dominadores, mas para fazer um perigoso e subversivo… comício eleitoral! Feliz da classe dominante que tem como oponente um comício eleitoral como o auge de uma primavera de “esquerda”… A classe dominante não teme os instrumentos que ela mesma criou.
Não há novidade no fato de que parte da esquerda opte pela estratégia eleitoral. Temos o PT como um bom exemplo do “sucesso” dessa tática: desmobilização dos movimentos sociais e sindicatos, controle das lutas pelas burocracias atreladas ao governo, reformismo e pacto de classes.
O elemento novo são os símbolos mobilizados para reforçar essa estratégia fracassada, principalmente entre a juventude. Não é de se espantar que Guy Fawkes, nosso anarquista insurrecionalista sob a curta estação da esquerda eleitoral, tenha-se tornado um social-democrata bem comportado, que se mobiliza não para pressionar os exploradores… mas para eleger…. um candidato! Não espanta também que as primaveras populares, em que o povo saiu às ruas para enfrentar os ditadores, sejam “filtradas” numa espécie de primavera-light, onde saímos todos para eleger um salvador, pelas urnas.
Há militantes sinceros, com cujas táticas eu discordo, que se devotam a construir um projeto que tem como horizonte conciliar a atuação de massas (nos movimentos sociais), com o que chamam de ação parlamentar-eleitoral (historicamente, o antídoto perfeito da primeira). Não é bem a esses que me dirijo. Esse debate estratégico-político pode ser feito num outro campo e merece alguma profundidade, o que não é o objetivo deste texto (mas quem sabe de outros). O fato é que há uma parcela expressiva da juventude seduzida por essa proposta. É uma juventude que quer ação, vida, movimento… Ela procura e anseia uma mudança. O manejo de determinados símbolos radicais aparentemente oferece o que ela quer, mas junto com os símbolos – pois não há forma separada do conteúdo – lhes são oferecidas as ferramentas mais conservadoras da ação política: justamente as que anulam as transformações sociais.
No entorno de um dos comícios, esbarrei por acidente num participante e “mascarado”, aproveitei então para reproduzir amistosamente a célebre frase do V de Vingança que diz que “o povo não deve temer um governo, mas é o governo que deve temer seu povo”. “Ninguém deve temer ninguém” disse-me o mascarado, antes de sair. A primeira imagem que me veio a cabeça foi a conciliação: “ninguém deve temer ninguém”, paz entre classes? Exatamente o contrário de todos os símbolos convenientemente acionados pela “primavera” amarela em sua defesa. Posição equivocada ou não do nosso jovem mascarado, era essa a impressão passada àquela juventude por esses setores de esquerda. Que uma mudança radical e substantiva da realidade pode ser feita com os instrumentos do velho mundo. Que o problema é ocupar postos-chaves, dos exploradores, para poder “inverter” os mecanismos que os gestaram… pobre ilusão!
Os opressores podem dormir tranquilos, porque enquanto a juventude e os trabalhadores saírem de casa para votar ou reforçar a campanha eleitoral de um salvador, isso significa que já perderam a fé em si próprios e são incapazes de vestir a máscara que os torna coletivamente os protagonistas da própria história. Talvez seja por isso que, laconicamente, o fim da “primavera” amarela seja anunciado com um “abraço coletivo” no estádio do Maracanã (!). Nada mais sintomático de uma esquerda que não sabe mais o que fazer com os símbolos revolucionários de que anteriormente se apropriou. Não a julguemos. Lembremos da traição da pólvora, lembremos do cinco de novembro, lembremos que um parlamento como horizonte político é o fim, e não o início das primaveras revolucionárias.

 Por: Rafael V. da Silva
Fonte: Passa Palavra

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

ELEIÇÕES - EMBALAGEM X CONTEÚDO

Ninguém pode negar a importância da propaganda e do marketing no mundo moderno, especialmente para os negócios. Aliás, neste particular, a sua relevância é tal que até se cunhou a expressão: “A propaganda é a alma do negócio”.
É fato que inúmeras vezes diante de produtos similares nas gôndolas de um supermercado, como clientes somos levados a uma escolha baseada em critérios subjetivos. Embalagem mais atrativa, com cores vibrantes, formato atual, texto e imagens mais sugestivas, enfim, toda uma estética produzida com vistas a agradar os sentidos do potencial cliente. Anúncios publicitários nos meios de comunicação indicando que o produto é o melhor e o mais adequado frente as demais opções de mercado, bem como, estabelecendo que o fabricante é extremamente preparado e mais responsável socialmente, de maneira que o cliente possa associar que ao adquirir a mercadoria estará não só atendendo a sua necessidade imediata de consumo - com qualidade e segurança - mas que, inclusive, irá colaborar com as práticas de boa gestão e respeito ao meio ambiente propostas pelo fabricante. Dizem alguns que os bons propagandistas são como verdadeiros magos. Não raras vezes, uma empresa com produto melhor e mais útil para os consumidores perde mercado para outra com produto de qualidade inferior, simplesmente porque o marketing desta é mais elaborado, cativando e seduzindo com melhor eficiência o consumidor. Inclusive, em muitos casos, a propaganda consegue mercado real até para produtos que sequer existem. São ainda idéias e projetos que mesmo antes de saírem da prancheta, já possuem consumidores ávidos pela novidade. Nesse sentido não é difícil entender o motivo das empresas pagarem muito bem pelos melhores profissionais da área.
Entretanto, seria ingenuidade afirmar que a propaganda e o marketing são ferramentas apenas para incremento de negócios. Na verdade, em medidas variáveis estão permeando tudo na vida moderna. A política não foge a esta regra.  A cada nova eleição temos acompanhado o desfile dos candidatos, todos com discurso muito parecido, pois invariavelmente prometem mais saúde, mais educação, mais segurança, etc. A única coisa que os diferencia é a legenda pela qual concorrem. De fato, cada partido por assim dizer “embala” o seu candidato como um “produto” que será oferecido ao público eleitor, nos moldes estabelecidos pela área de propaganda e marketing da campanha. Dependendo do poder econômico que o partido detém, o candidato é brindado com panfletos bem impressos e acabados, programas de vídeo produzidos nas mais conceituadas empresas do ramo, artistas e personalidades da mídia são contratados para apoiar os comícios, tudo sob a direção de experientes profissionais de propaganda. Portanto, não é exagero afirmar que em cada eleição existe apenas uma luta entre os “partidos de embalagem” para cativar o “eleitor cliente”, já que os “candidatos produtos” possuem sempre as mesmas promessas. É verdade que de vez em quando alguma parceria partido-candidato quebra essa unanimidade. De fato, causou surpresa a recente declaração do candidato a prefeitura da cidade de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores - PT, Fernando Haddad, que, diante de peça publicitária de partido da oposição que alegava que ele teria ligação com os réus do Mensalão, entrou com representação perante a Justiça Eleitoral solicitando que a referida peça fosse suspensa, argumentando ser "manifestamente degradante para ele ser associado aos colegas de partido José Dirceu e Delúbio Soares(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/67076-haddad-diz-que-e-degradante-ser-ligado-a-dirceu-e-delubio.shtml). Palavras duras. É preciso ressaltar que no caso de José Dirceu, o peso da declaração é maior, tendo em vista que ele é um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, e inclusive já foi presidente nacional durante um período. Ora, se o candidato Fernando Haddad considera degradante qualquer associação com um dos mais proeminentes líderes do partido ao qual está filiado, porque ele ainda continua lá? Será que ele é tão dependente da “embalagem” do partido, sem a qual, a candidatura não teria apelo perante a opinião pública? Não sabemos ao certo, como também não sabemos como ficaria o projeto de governo, tendo em vista a existência desse fosso tão profundo entre ele e setores do seu partido.
Diante do exposto é inegável que os eleitores precisam abrir as “embalagens” que os partidos fazem, para saber exatamente o conteúdo das candidaturas propostas. Cada eleitor deve avaliar detidamente os programas políticos dos vários candidatos antes de conceder o seu voto a algum deles. E mais. Deve avaliar a coerência entre o discurso e as ações dos candidatos. Os políticos dizem que lutam pela saúde, prometendo hospitais e médicos, porém, quando adoecem procuram os melhores hospitais particulares, inacessíveis para o geral da população? Prometem escolas com ensino público de qualidade, entretanto, os filhos estudam em colégios particulares, com mensalidades fora do alcance da maioria da população? Garantem que vão ter uma atenção especial com a segurança pública, porém, desconhecem a realidade da violência que atinge níveis alarmantes para a sociedade, já que sempre circulam em veículos blindados e cercados de seguranças? Dizem que será dada uma atenção especial a questão da moradia, com construção de habitações para a população, porém, mesmo os políticos provenientes de classes menos favorecidas, após eleitos procuram fixar residência nos bairros mais nobres e caros? Em resumo, caso as respostas seja positivas, fica a pergunta: Porque a população não pode ter acesso a serviços públicos com qualidade similar a que a classe política quer usufruir?
É preciso ocorrer uma grande mudança de paradigmas. Os eleitores precisam escolher de maneira sensata e coerente o que realmente desejam para si e para a coletividade. Quantas pessoas alegam que vão votar no candidato do partido, mesmo sem conhecimento adequado da sua plataforma política, com base no seguinte raciocínio: “meu partido é bom, logo o candidato apresentado também é bom, e,  portanto, merece o meu voto”. Negam sequer analisar a plataforma política de outros partidos com base em igual raciocínio simplista: “os outros partidos são ruins, logo os candidatos deles não são bons, e, portanto, não merecem o meu voto”. Esse maniqueísmo é um atraso completo para a democracia.
Não devemos votar em candidatos simplesmente porque foram indicados por qualquer partido e/ou líder político. Devemos votar em candidatos com idéias e projetos próprios, o que vai possibilitar a cobrança posterior das promessas de campanha.  Votar apenas pela “embalagem” pode significar quatro anos amargando um “produto” insatisfatório. Vamos pensar nisso. O bem estar social em grande medida vai depender das boas escolhas que fizermos.

Por:  Flávio Roberto Bezerra Ferreira
 

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